Um hotel com muitas estrelas e Deus como companhia



Há pessoas para quem tudo é como se fosse nada ou quase nada.
Por mais caminho feito, por mais bens e experiências, nunca lhes basta.

Outras existem que o seu pouco é uma riqueza tão grande que até sentem necessidade de a partilhar com os demais. 

Neste início de outubro em que o tempo ainda lembra o verão, tomava um cafézinho [nós aqui por Fátima gostamos dos diminutivos, o que é que querem?] com um grupo de amigas, quando entra na cafetaria-pastelaria um cliente especial, o típico peregrino a pé.

Ainda não são nove da manhã e ele já está cheio de genica. 
- Estará bom da cabeça? - observávamos.
Via-se que sim.

- Como te chamas, eu sou o Enrique Peregrino? - pergunta ele, sorridente, ao acolhedor dono do espaço.

Pergunta preços, vê que tem condições para tomar o pequeno-almoço, faz o seu pedido ao balcão, senta-se, é servido, mete conversa com quem chega, toma o pequeno-almoço... Mete conversa... Compra uns caramelos de frutos e trata de os distribuir com quem ali está, também connosco. Sobretudo, sorri.

Pelo meio disto tudo, leva uma harmónica aos lábios e dá dois ou três sopros.
Não podemos chamar música àquilo, chamemos-lhe boa disposição.
- Ofereceram-me isto, não sei tocar, mas gosto.
Sorri.

O Enrique é mesmo uma pessoal especial - ele diz-nos que todos somos especiais - e a sua história  é incrível - ele diz-nos que hoje é o dia mais importante da nossa vida, o de amanhã "no lo sabemos".

Em tempos, o agora peregrino de profissão a tempo inteiro trabalhara numa grande empresa do ramo automóvel. Um acidente imobilizara-o numa cama, perdera o andar. A cicatriz vertical ao longo coluna comprova-o.

Quando recupera decide que é hora de mudar de vida. O seu objetivo pessoal será o de agradecer a Deus por ter recuperado o andar e por não ter perdido a fé; provavelmente até saiu fortalecida, mas isso, no lo sabemos. A gratidão é uma coisa muito bonita, assim como a fé. 

Continua  ligado à família, que acabaria por aceitar a sua decisão. Pergunta-nos os nossos nomes - Que não esquece! No final pedir-nos-á que os escrevamos num pequeno caderno, porque à noite reza sempre por quem encontrou durante esse dia - e se no grupo há alguém de enfermagem, e há. E alguma advogada? Também há. Essas são as profissões das suas filhas, que vivem em Espanha, de onde todos são naturais.


Estava alojado no Albergue dos Peregrinos a Pé do Santuário, até já tinha recebido um convite para ficar num dos melhores hotéis de Fátima - diz-nos o nome de quem o convidara, que conhecemos. Declinara; não necessitava de tanto.
Por dia, disse, o que necessitamos é “de sorrir, de bailar e de abraçar”. 
Então, venha de lá esse abraço e, já agora, uma fotografia para o Facebook, amigo Enrique, que não é todos os dias que se apanha uma pessoa assim! 
- Escrevam Enrique sem “h” se faz favor, vocês portugueses colocam o h, e basta escreverem Enrique Peregrino.

Perceberemos mais tarde que basta escrever Enrique Peregrino e aparecem logo fotos e entrevistas a Enrique Balsera, porque a sua história e testemunho não são para menos. E o interessante é que aparecem outros Enriques Peregrinos, ele não é o único, literalmente, debaixo do céu.

Numa das últimas entrevistas, ao jornal “La Voz de Galicia”,  Enrique Balsera revela quem viaja sempre consigo: "Viajamos cinco: el palo, la mochila, el gorro, yo y Dios". Quem viaja assim nunca está sozinho.

E o alojamento? Ele tem o melhor hotel do mundo, de muitas estrelas... Quando o céu está estrelado.

Uma amiga do nosso grupo tem um restaurante e entrega-lhe um cartão de visita, que Enrique apareça que lhe oferece uma refeição. O peregrino agradece reconhecido, diz que provavelmente não aparecerá, mas é para perceberem como ele vive.
Alguns chamam-lhe Providência Divina outros solidariedade.

Não lhe perguntámos onde dorme quando o céu não está estrelado. Nem era necessário perguntar, Deus não o desampara, vê-se.

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