Bispo recém-nomeado para Tete fala da catástrofe que se abateu sobre Moçambique




“O momento que atravessamos convoca-nos à união, à oração e à ação.”

O meu pai, com 84 anos, anda especialmente cabisbaixo. Há muito que não o encontrava tão triste com nada como com a desolação que sofre atualmente Moçambique, com a passagem do ciclone Idai. Ainda rapazola, viveu pela Beira, por Tete, pela então Lourenço Marques. Durante algum tempo teve como trabalho ir levantar automóveis ao Porto da Beira e depois conduzi-los para outras zonas de África, como Angola, Zimbábue, etc, ao serviço da missão de Fomento e Povoamento do Zambeze. Isto antes de se decidir emigrar para a África do Sul, aí sim onde viveu vários anos. 

“Pobre gentinha, e aquelas crianças penduradas nas árvores, viste?”, diz com olhos embargados ao ouvir o noticiário da tarde.

Por ocasião da notícia da nomeação do padre Diamantino Guapo Antunes, natural de Albergaria dos Doze, Pombal, no distrito de Leiria, para Bispo da Diocese de Tete o meu pai também suspirou pelo pobre homem, pela difícil missão que lhe é confiada.

Talvez por tudo isto, lembrei-me de enviar uma mensagem de felicitações e de encorajamento ao recém-nomeado bispo. A mensagem acabou por dar origem a uma breve conversa com D. Diamantino Guapo Antunes, que ainda há bem pouco tempo passou por Fátima e participou numa iniciativa promovida pelo Consolata Museu.

O até agora superior regional do Instituto Missionário da Consolata em Moçambique e Angola entrará em funções em Tete num momento particularmente difícil. Perguntei-lhe como tinha recebido a notícia da nomeação.

Disse-me que “com admiração” e explicou porquê: “Não desejava e não contava. Tendo aceite esta nova missão que o Papa Francisco me confiou, experimento dois sentimentos: humidade e confiança. Humildade por me sentir pequeno perante a enorme tarefa que me espera e também pelo receio de desmerecer a confiança e a expectativa em mim depositadas. Confiança que reside na certeza de que quem trabalha por Deus e se deixa inspirar por Ele não se atemoriza com as dificuldades, pois Ele as saberá converter em caminhos de esperança. Caminhos que nos reúnem e nos conduzem a Ele”.

D. Diamantino Guapo Antunes chegou a Moçambique em 1992, com 25 anos de idade. Trabalhou quase sempre naquele país, exceto entre os anos de 1994 e 1999, em que esteve por Roma. É o primeiro missionário português do Instituto Missionário da Consolata nomeado bispo; será ordenado em Tete no próximo dia 12 de maio. 

Em Moçambique trabalhou em diversas missões: no norte de Moçambique, no Niassa, na diocese de Lichinga, durante oito anos; na diocese de Inhambane, durante nove anos e em Maputo, durante cinco anos, nas funções de superior regional dos Missionários da Consolata em Moçambique. 

Diz-me que conhece a diocese de Tete “apenas de passagem”: “Nos últimos anos, como superior dos Missionários da Consolata, visitei os meus confrades que trabalham nesta diocese nos distritos da Maravia e do Zumbo”.

Com esta nova missão que agora lhe é confiada terá tempo para conhecer melhor o espaço geográfico e os seus diocesanos.

“Preparo-me agora para seguir para Tete com o propósito de servir. Uma das minhas primeiras preocupações é conhecer esta terra e as suas gentes, as suas línguas e culturas. Com as visitas pastorais já programadas para este ano percorrerei a maior parte do território desta vasta diocese”.

As suas primeiras palavras são de comunhão, na dor e na esperança, atendendo à grave situação atual daquela zona de África: “A minha primeira palavra não pode deixar de ser de comunhão com todos os afetados por esta enorme catástrofe que se abateu sobre a zona centro de Moçambique. Comunhão com o povo da nossa Província Eclesiástica da Beira, da qual a diocese de Tete faz parte, que vive uma situação de sofrimento e angústia após a passagem do ciclone Idai e as cheias subsequentes. Comunhão com todos os que sofreram os efeitos da calamidade que se abateu sobre as províncias de Sofala, Chimoio e nalgumas zonas da província de Tete e da província da Zambézia. Muitos ficaram sem os seus entes queridos, sem casa e sem bens. O momento que atravessamos convoca-nos à união, à oração e à ação”.

D. Diamantino Guapo Antunes conhece Tete bem melhor do que de passagem

“Tete é uma das primeiras regiões de Moçambique onde chegaram os arautos do Evangelho. em meados do século XVI. A evangelização tem tido altos e baixos. A diocese de Tete, criada em 1962, é enorme, com uma superfície de 100.724 km2, maior que Portugal, com uma população de 2.764.169 habitantes, sendo os católicos 23% da população total”.

A grandeza da diocese explica-se também pela sua localização geográfica e pela sua população.

“A diocese, cujo território coincide com a Província administrativa de Tete, está situada no centro-oeste do país, tendo ao norte a Zâmbia, a leste o Malawi e a oeste o Zimbabwe. A província está dividida em duas partes: a sul, vale do rio Zambeze, é habitada por uma maioria de população de etnia Cinyungwe e a parte norte população de etnia Achewa. É maioritariamente habitada por uma maioria de camponeses. Os centros urbanos principais são Tete e Moatize. Dada a localização periférica desta província tem sofrido pela sua condição de isolamento. Após os acordos de paz em 1992, refugiados, principalmente no vizinho Malawi e Zâmbia, começaram a regressar ao Tete e em muitos casos procuravam novas zonas para se restabelecerem”.

Nos últimos anos, continua D. Diamantino Antunes, aquele território dava mostras de algumas melhorias ao nível socioeconómico, embora não para todos.

“Com a descoberta de alguns recursos naturais, especialmente carvão, registou-se um acentuado desenvolvimento nestes últimos anos, sobretudo na cidade de Tete. Todavia, as espetativas geradas nem sempre correspondem à realidade e os ganhos para a população em termos da melhoria da qualidade vida não se fazem ainda sentir como era desejável. Nas áreas mais isoladas da província, muitas infraestruturas como estradas, escolas, centros de saúde, etc. são ainda insuficientes para as necessidades”.

Foi em Tete que os Missionários da Consolata, a congregação missionária a que D. Diamantino Antunes pertence, iniciaram a sua atividade missionária, em 1926. 

“É uma igreja local viva, com muitas potencialidades. Existe carência de missionários e de clero local diocesano para responder às necessidades espirituais e de formação da população. Existem 28 missões/paróquias, algumas não têm equipa missionária residente”. 

Então por onde lhe parece que deve começar enquanto bispo? D. Diamantino não hesita: “Dar assistência religiosa às zonas mais periféricas e abandonadas e ao mesmo tempo responder aos desafios pastorais emergentes, sobretudo da pastoral urbana e juvenil, são as prioridades da diocese. Assim Deus me ajude contando com a colaboração e amizade de todos”.

Neste momento é-lhe confiado um território especialmente em sofrimento e dor. Daquilo que nos apercebemos a partir das reportagens que nos chegam fica a ideia de que o pior ainda não passou. Em declarações à Rádio Moçambique, o Presidente Filipe Nyusi disse temer que mais de um milhar de pessoas possam ter morrido na intempérie que desde final da semana passada está a varrer o sudeste africano.

D. Diamantino Guapo Antunes refere que a própria Igreja Católica está “a sofrer muito com tudo o que está acontecendo e sai profundamente afetada nas suas comunidades e estruturas”, mas “está a reagir procurando ir ao encontro dos que estão numa situação de maior sofrimento”. 

“As dioceses, através da Cáritas, congregações religiosas, organizações locais estão a trabalhar no sentido de dar assistência aos afetados pelas cheias, sendo canal que faz chegar o que recebe a quem mais precisa”, explica.

Aproveitando esta breve troca de palavras, pergunto-lhe se quer enviar uma mensagem para Portugal: “Espero colaboração, amizade e ajuda de todos. Tenho grande disponibilidade de servir. Sozinho pouco posso. Assim Deus me ajude. Rezem por mim”.

Rezamos.

[Créditos das Fotografias: Ana Paula / Fátima Missionária]

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